DOS RECENTES ENTENDIMENTOS SOBRE O PREPARO DE RECURSOS RECOLHIDOS POR TERCEIROS - EMBATE ENTRE O FORMALISMO PROCESSUAL E O ACESSO À JUSTIÇA

A jurisprudência trabalhista brasileira tem se deparado, com cada vez maior frequência, com uma celeuma processual de extrema relevância prática e dogmática: a validade — ou não — do pagamento de custas e do depósito recursal por sujeitos processuais estranhos à lide, especialmente em hipóteses envolvendo grupos econômicos ou situações excepcionais que obstam a realização do preparo diretamente pela parte recorrente.
À luz de dois recentes e emblemáticos precedentes, emerge um debate que coloca em tensão o rigor formal do ordenamento infraconstitucional frente ao princípio constitucional do amplo acesso à jurisdição.
No primeiro precedente, julgado pela 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), restou decidido, à unanimidade, pela deserção do recurso ordinário interposto por uma instituição financeira, em razão da inobservância do preparo recursal nos moldes exigidos pela Consolidação das Leis do Trabalho.
Na hipótese, o pagamento das custas processuais e do depósito recursal fora realizado por sociedade empresária que, embora integrante do mesmo conglomerado econômico da recorrente, não figurava formalmente no polo passivo da demanda.
O relator do feito, Ministro Mauricio Godinho Delgado, fundamentou seu voto na Súmula 128 do TST e no disposto no art. 789, § 1º, da CLT, ao consignar que a obrigatoriedade de efetivação do preparo recursal recai exclusivamente sobre a parte que recorre, sendo inviável sua delegação a terceiros — ainda que se tratem de empresas coligadas ou sob a mesma direção corporativa, in verbis:
“[…] O recolhimento por ente estranho à relação processual, ainda que do mesmo grupo econômico, configura vício insanável, por não atender à finalidade legal do preparo, comprometendo a regularidade formal do recurso”.
O v. acórdão citado, rechaçou inclusive a possibilidade de concessão de prazo para saneamento do vício, com base na atual redação da Orientação Jurisprudencial 140 da SBDI-1, por não se tratar de recolhimento insuficiente, mas sim de ilegitimidade subjetiva na prática do ato processual.
Diante disso, o agravo interposto foi tido por deserto, impedindo o conhecimento do recurso e inviabilizando o reexame do mérito da condenação anteriormente arbitrada.
Todavia, em sentido diametralmente oposto, observa-se a existência de posicionamentos minoritários, oriundos de magistrados do primeiro grau e de algumas turmas dos Tribunais Regionais do Trabalho, que têm admitido, excepcionalmente, o recolhimento das custas processuais e do depósito recursal por empresas integrantes do mesmo grupo econômico ou, ainda, por terceiros estranhos à relação processual, sob o argumento de que a exigência de que o pagamento seja realizado exclusivamente pela parte recorrente configuraria formalismo excessivo, dissociado da finalidade teleológica do preparo.
Assim, passa-se à análise do segundo precedente pertinente à matéria, firmado em sessão plenária da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (TRT-8), onde fora reconhecido a validade do preparo recursal efetuado por terceiro, desde que atendidos os requisitos, objetivos e formais vinculados à identificação da parte do processo e das guias judiciais pertinentes.
No caso em apreço, as custas e o depósito recursal foram recolhidos por empresa diversa daquela que figurava como recorrente no polo passivo da demanda. No entanto, as guias estavam integralmente preenchidas com os dados essenciais à sua identificação — número do processo, partes envolvidas, valores corretos, além da devida autenticação bancária. A relatora, inicialmente, manifestou-se pela configuração da deserção, alinhando-se à jurisprudência tradicional do TST.
Contudo, após pedido de vista regimental por outro membro do colegiado, prevaleceu o entendimento de que o direito de acesso à jurisdição não pode ser obstado por um rigorismo processual desproporcional, sobretudo quando o objetivo legal do preparo — a garantia da seriedade recursal e o ressarcimento dos cofres públicos — foi materialmente atingido.
Assim, a fundamentação adotada pela turma regional enfatizou os princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa (art. 5º, incisos LIV e LV, da CF/88), e do acesso à Justiça (art. 5º, inciso XXXV, da CF/88). Assinalou-se ainda que a função teleológica do preparo é garantir o regular processamento do recurso, não podendo este ser inviabilizado por um formalismo exacerbado, que desconsidera circunstâncias práticas como o bloqueio judicial de contas, limites de transações bancárias ou indisponibilidade técnica para o recolhimento direto pela parte.
Neste sentido, tem-se que a decisão supracitada, se apresenta como precedente paradigmático, na busca por um equilíbrio entre os requisitos da admissibilidade recursal e a preservação do acesso substancial à prestação jurisdicional.
Em contraste, o aresto proferido pela 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), conquanto alinhado à orientação prevalente da Corte, revela uma concepção ainda marcadamente rígida e formalista, quanto aos requisitos de admissibilidade recursal, desconsiderando, por vezes, elementos fáticos relevantes e limitações operacionais alheias à esfera de atuação da parte processual.
Nesse cenário, considerando que a jurisprudência dominante da instância superior vem reiteradamente sufragando a tese da nulidade do preparo realizado por terceiro estranho à lide, prevalece, na prática forense, a compreensão pela configuração da deserção, ainda que o pagamento tenha sido integralmente efetuado, quando verificada a ilegitimidade do responsável pelo recolhimento das custas e do depósito recursal.
Referência:
Link das notícias:
Artigo por Felipe de Barros – OAB/SP 518.359