Recentemente, uma decisão da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN) veio reforçar um entendimento já consolidado em instâncias superiores: o Rol de Procedimentos da ANS possui caráter exemplificativo, e as operadoras de planos de saúde não podem negar tratamentos prescritos por médicos, mesmo que não estejam expressamente listados nesse rol. Essa decisão, que manteve a obrigatoriedade de cobertura para o tratamento pelo método Pediasuit, é um marco importante na defesa dos direitos dos consumidores e na garantia da autonomia médica.
O cerne da decisão do TJRN reside em um recurso movido por um plano de saúde que se recusava a cobrir o tratamento pelo método Pediasuit, alegando ausência de previsão contratual e caracterizando o procedimento como experimental. A operadora argumentava que o tratamento não estava incluído no Rol de Procedimentos da ANS, o que, em sua visão, a desobrigaria de custeá-lo.
No entanto, o Tribunal manteve a decisão da 10ª Vara Cível de Natal, que já havia determinado a cobertura do tratamento, com cinco sessões semanais, conforme a prescrição médica. A decisão priorizou a rede credenciada e, em caso de indisponibilidade, a rede particular, garantindo o acesso do paciente à terapia necessária.
O método Pediasuit é uma abordagem terapêutica intensiva, amplamente utilizada na reabilitação de pacientes com déficits cognitivos ou motores. Ele é indicado para uma vasta gama de condições, incluindo sequelas de Acidente Vascular Cerebral (AVC), atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, lesões neurológicas e ortopédicas, e síndromes como a Síndrome de Down. O tratamento é caracterizado por sua intensidade e pela inclusão de exercícios específicos, muitas vezes utilizando um macacão terapêutico e um sistema de polias para auxiliar na reabilitação.
A alegação do plano de saúde de que o Pediasuit seria uma terapia experimental foi rechaçada pelo TJRN. Conforme destacado pelo Relator, Desembargador Amílcar Maia, o produto utilizado no tratamento possui registro válido na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Esse registro é um atestado de que o método já passou por rigorosas avaliações de eficácia, qualidade e segurança, afastando qualquer dúvida sobre sua natureza experimental. A existência do registro na ANVISA é um ponto crucial, pois valida a seriedade e a cientificidade do tratamento, tornando insustentável a negativa de cobertura sob essa justificativa.
A controvérsia em torno do Rol de Procedimentos da ANS tem sido um tema recorrente no judiciário brasileiro. Por muito tempo, houve um debate intenso sobre se o rol seria taxativo (ou seja, uma lista exaustiva de procedimentos que os planos de saúde são obrigados a cobrir) ou exemplificativo (uma lista mínima, que não impede a cobertura de outros procedimentos necessários). A decisão do TJRN reforça o entendimento de que o rol é exemplificativo, alinhando-se a uma posição já consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Em 2022, o STJ, em um julgamento que gerou grande repercussão, havia decidido que o rol da ANS seria, em regra, taxativo, mas com a possibilidade de exceções. No entanto, essa decisão foi posteriormente alterada pela Lei nº 14.454/2022, que estabeleceu que o rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, atualizado pela ANS, tem caráter exemplificativo. Isso significa que a ausência de um procedimento na lista não pode ser usada como justificativa para a negativa de cobertura por parte das operadoras, desde que haja prescrição médica e comprovação científica da eficácia do tratamento.
O Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, do STJ, já havia se manifestado em 2022, antes da alteração legislativa, no sentido de que é abusiva qualquer cláusula que restrinja tratamento prescrito para doenças cobertas pelo contrato. Esse entendimento, que prioriza a saúde do paciente e a autonomia do médico, foi fundamental para a evolução da jurisprudência sobre o tema e é a base para decisões como a do TJRN.
A decisão do TJRN, ao reafirmar o caráter exemplificativo do Rol da ANS e a obrigatoriedade de cobertura de tratamentos prescritos, tem implicações significativas para pacientes, médicos e operadoras de planos de saúde. Para os pacientes, representa uma maior segurança jurídica e a garantia de acesso a tratamentos inovadores e eficazes, mesmo que não estejam explicitamente listados no rol.
Para os médicos, a decisão reforça a autonomia profissional. É o médico, com base em seu conhecimento técnico e na avaliação individual do paciente, quem deve determinar o tratamento mais adequado.
Para as operadoras, a decisão serve como um lembrete da sua responsabilidade social e legal. Embora tenham o direito de definir as doenças que cobrem, não podem limitar os tratamentos para essas doenças. A negativa de cobertura, sob a alegação de que o procedimento não está no rol ou é experimental, quando há registro na ANVISA e prescrição médica, pode gerar litígios e condenações judiciais.
A decisão da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte é um passo importante na proteção dos direitos dos consumidores de planos de saúde. Ao reafirmar o caráter exemplificativo do Rol de Procedimentos da ANS e a impossibilidade de as operadoras negarem tratamentos prescritos por médicos, o TJRN contribui para a construção de um sistema de saúde suplementar mais justo e equitativo. A autonomia médica e o direito à saúde são pilares que devem ser sempre priorizados, garantindo que os pacientes tenham acesso aos tratamentos de que necessitam para uma vida digna e saudável.
Artigo por Leonardo Barros, Advogado, inscrito na OAB/SP sob o n° 479.769.
Referência:
https://www.tjrn.jus.br/noticias/25170-planos-de-saude-nao-podem-limitar-tratamento-sob-prescricao-medica. Acesso em: 8 jul. 2025.